Uma folga para o porquinho

(Texto meu publicado no Jornal Folha Guaibense)

Agora, além de nos dias de chuva, meu cofrinho, no clássico formato de porco, ganhou mais umas folgas. Após o veranico de maio, eu e meu porco conseguimos respirar aliviados. Finalmente, um pouco de paz.

Trabalho no bairro Menino Deus, na rua Saldanha Marinho. Chego às 13h e sempre tem um cara, às vezes mais de um, que diz “Bem cuidado aí, dona”. Pronto, já sei que quando eu voltar terei que sacrificar meu cofrinho e conseguir, no mínimo, algumas moedas para o sujeito que me chama de dona. Que dona que sou? Não tenho nem controle de quem cuida ou não cuida do meu carro. (Não se fazem mais donas como a do Roupa Nova!)

Tenho sérios problemas com os tais guardadores de carros. Na Cidade Baixa, bairro famoso da nossa Capital, um dia, uma guardadora me parou para reclamar dos homens que estacionavam com ela, que eram muito mal educados, agressivos, coisas do tipo. Não consegui cortar a senhora, fiquei mais de dez minutos de papo furado. Ao menos consegui deixá-la mais calma, acho.

Depois disso, o segundo encontro. Disse para um cara desses que não tinha dinheiro no dia e ouvi a seguinte resposta: “Não tem problema a gente acerta amanhã”. Não contente em dizer isso ele completou: “Nem precisa ser muito, só um pouco mais do que tu me darias hoje”. Eu tenho alguma obrigação com esse cara???? Tenho! Se não pago, ele faz o que der na telha. Não convém contrariar um funcionário, potencialmente rebelde.

A mais engraçada e talvez a situação que evidencie de fato a minha relação conturbada com os guardadores de carros de rua aconteceu quase na porta do meu trabalho, no início da tarde. Desci do carro, de óculos, camisa e calça jeans, como sempre vou trabalhar e o cara veio para a volta do carro dizendo que eu era muito linda. Na hora pense que fosse mais uma tentativa de levar o meu porquinho, fui andando pela rua, sem dar muita importância às frases feitas do guardador. Na volta, depois de ter gastado meus miolos numa tarde onde tudo deu errado, apertei o alarme, entrei no carro. Quando olho para o lado, através do vidro e do filme, quem vejo? Sim, o mesmo galanteador de antes. Desta vez, ele fala algo que não entendendo, sem conseguir ouvir, quando me dei por conta já tinha aberto o vidro. Das costas do guardador surge uma flor.

Com o frio que vem fazendo nos últimos dias, perdi meu guardador metido a galã, nunca mais fiquei devendo para o funcionário, potencialmente rebelde, não falei mal do sexo masculino na Cidade Baixa. Todos se foram. Ficamos eu e meu porquinho, que anda pesado, pesado..

Figueiró e a mala de conquistas

(Texto meu publicado no jornal Folha Guaibense – homenagem ao meu avô)

“…Quem sou eu, que na solidão das ruas, longe dos amigos, parentes, daquele que foi o meu lar paro e penso sem obter nenhuma resposta?…” O dono dessas palavras, que gritam por socorro e que serviram, em 23 de dezembro de 1978, para salvar um homem das ruas, é o guaibense Cláudio de Oliveira Figueiró. O mecânico, soldado, bancário, jogador de futebol, secretário da saúde, repórter esportivo, benemérito cidadão guaibense, pai, marido e avô, hoje, com 68 anos carrega uma mala cheia de conquistas.

Casado com Carme Rosa Figueiró, há 47 anos, é pai de três mulheres. Cinara, a primogênita, é graduada em Direito e atualmente juíza do trabalho; Cilene fez Pedagogia e dirige uma escola; Cláudia, a mais nova, é psicopedagoga e professora estadual. A estante da sala, repleta de porta-retratos, traz as fotos das formandas com os respectivos diplomas. Os quadros que lá estão representam a luta e a vitória do casal.

Figueiró, como é conhecido na cidade onde nasceu e vive, começou a jogar na categoria principal do Guaíba Futebol Clube, time do seu coração, aos 16 anos. Presidente por oito vezes, vice mais algumas e figura presente até os dias de hoje, é um apaixonado pelo esporte, que acabou proporcionando a ele reconhecimento em nível nacional. O aposentado, em 1973, ganhou o troféu Belfort Duarte, dado ao profissional que conquista a marca de 200 partidas oficiais, em dez anos, sem ser expulso. O prêmio concedido pela Confederação Brasileira de Desportos, anos mais tarde, rendeu-lhe o título de cidadão guaibense.

O moço de considerável topete, olhos verdes e porte atlético, que ia ao encontro da amada com uma motocicleta Monarch 125 vermelha, cede seu espaço para o senhor careca, de juntas grossas e pele enrugada que anda pelas mesmas ruas de outrora, agora asfaltadas, num Gol branco. O vovô “brum-brum”, como é chamado pelo caçula de seus seis netos, pode ter perdido cabelos, músculos, mas ainda carrega consigo muitos traços da juventude – a curiosidade aguçada, a criticidade, o inconformismo, o bom humor.

Os olhos verdes, que antes a namorada conquistavam, vão lendo tudo que podem para deixar a mente informada, além de servirem de porto seguro à família. Agora, eles acompanham a modernidade. Cláudio de Oliveira Figueiró, aos 68 anos, põe os óculos, ajeita-se na cadeira e dá os primeiros passos, com o auxílio do mouse, em frente ao computador..

Uma Ana Carolina acima do feminino e do masculino

ana

(Texto meu publicado no site e na versão impressa do Jornal Oi)

Sete de março, nove horas e quinze minutos de uma noite de sexta-feira. Ana Carolina sobe no palco do Teatro do Bourbon para o que seria um espetáculo diferente dos shows anteriores da artista para os gaúchos. A Ana da apresentação do ano anterior, 19 de outubro, no teatro do Sesi, foi uma cantora séria, de poucas palavras, tratando o público apenas como espectador.

No Bourbon, porém, ela interagiu e arrancou mais suspiros, mais risos e mais lágrimas, principalmente das mulheres, como aquela que estava sentada ao meu lado, na segunda fila da platéia baixa. Ela representa apenas mais uma das inúmeras mulheres que choravam, riam, amavam Ana Carolina, bem como sua voz, violão, contra-baixo, pandeiro, guitarra.

Ana Carolina cantava: “…eu não sei parar de te olhar…”, e vozes agudas respondiam: “então não pára”. Ana largava mais um sucesso: “…vou bater na sua porta de noite, completamente nua…”, e as mesmas vozes, agora mais fortes, gritavam frases soltas. A cantora muda o tom e parte para uma nova arma de conquista, declamando versos de Fabrício Carpinejar, escritor gaúcho presente no show.

Entre o fim das rimas e o início da próxima canção uma voz grave, muito grave, declara seu amor pela mineira de 36 anos. Ana procura o locutor com os olhos e dispara: “Opa! Uma voz masculina”. Mulheres protestam e a cantora resolve interpretar mais um grande sucesso: “Sou bi e daí”.

Tirando as muitas brincadeiras e os inúmeros apelos do público pedindo atenção, restam três músicos, canções do último disco duplo, primeiro momento, e clássicos, que são embalados pelas vozes ali presentes. Na música “Quem de nós dois”, tais vozes tomam conta, a cantora debruça o microfone sobre o peito, olha para cima, como quem olha o céu, e se embriaga do reconhecido sucesso.

Ana Carolina fecha o show com a música “Elevador”, muitos levantam das cadeiras, balançam os braços, ficam colados no palco com as mãos esticadas esperando a mão grande, de dedos compridos, suada, envolta com uma pele fina, tipicamente feminina, passar. Ao meu lado, a mulher, que chorou do início ao fim, olha para mim e pergunta: “ela não volta mais?”. Eu, prontamente, respondo: “ela volta para comer a Madona pela segunda e última vez esta noite”..