Cada vez mais poeta

Por Juliana Ramiro

Alguns banhos de chuva e se torna inevitável. Até a casca mais dura fica um pouco mole. Andei levando uns banhos, não só de chuva, mais de arte, de sentimentos, das relações humanas, enfim, banhos da própria vida. Guardei até agora. Os extrapolo aqui.

Idéias novas pedindo passagem, mágoas que pareciam estar vencidas, mas que chegam e vão entrando sem bater na porta. Dia após dia vou lambendo cada ferida e, mesmo sem a ajuda de algum remédio, vou tentando costurar o saco de retalhos que me tornei, frente a cada lembrança, cada verdade, cada realidade que topei.

Não me considero a pessoa mais limpa, mas tenho certeza que a mais suja não sou. Inocente, creio na cura e na mudança do outro, além de na minha própria mudança. Sou incapaz de acreditar nos meus erros. Penso que vou morrer sem considerar que meu coração por vezes, muitas vezes, tantas vezes se enganou, deixando fazer morada amigos e amantes que não deveriam nem ter passado pela minha estrada.

Ou talvez devessem. E tudo que hoje parece um erro foi acerto. E tantos acertos me fizeram o que sou, deram vazão a minha força, aos meus devaneios, aos meus anseios, sentidos e a minha arte. Pena não poder dividir e destrinchar tantas coisas com as pessoas que amo. Uns não dão assunto, ou não entendem, outros preferem não participar de certas coisas.

A verdade é que me sinto cada vez mais poeta. Um poeta louco, extrapolado, que escreve, escreve, escreve… e termina mais um dia incompreendido, sozinho e calado.

“É chato chegar a um objetivo num instante
Eu quero viver nessa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”.

Eu matei o amor

Por Juliana Ramiro

Li uma crônica do Carpinejar que é o tipo de texto que seu efeito costumo relacionar com uma partida de futebol para quem perdeu a forma e há muito não joga. O cansaço vem logo nos primeiros instantes, mas a dor, a dificuldade de caminhar, de se mexer, o arrependimento de ter ficado tanto tempo parado ou de ter entrado nessa aventura de novo vem sempre com 48 horas de atraso.

O texto do Carpinejar defende a teoria de que nós assassinamos o amor. O amor nasce para ser infinito, mas nós, no dia-a-dia, com palavras erradas, gestos mal interpretados, atitudes mornas ou quentes demais, é que determinamos seu fim.  Logo nas primeiras linhas do texto do autor já veio o desconforto, mas, a dor de ter lido tal verdade atingiu seu ápice passadas 48 horas, quando um forte sentimento de culpa bateu na minha porta.

Quantos amores lamentei que tivessem chegado ao fim?! Algumas vezes, acreditei que era a velha história da pessoa certa na hora errada. Mentira. Agora a ficha caiu, olho-me no espelho e vejo uma perfeita serial killer e tenho até um modus operandi . É sempre do mesmo jeito, nunca é diferente.

Sei exatamente como matar o que trago no peito e quando me dou conta estou construindo a mesma teia. É genético, as mulheres da minha família há algumas gerações agem do mesmo jeito. Somos feito aranhas, sempre construímos a mesma teia.

Alguns me recomendariam terapia. Desculpa, mas embora sofra com minha herança genética, tenho certo apreço por ela. Não fazemos mal a ninguém além de nós e o amor. Mas quem nunca assassinou um amor que atire a primeira pedra. E meu texto termina aqui. Sou réu confesso, contudo, sem mais..

Ahhh, Teresa!

Por Juliana Ramiro

Dia de chuva bate aquela melancolia e a nostalgia me assola. Gosto de lembrar o passado e utilizo meus livros para recordar minhas próprias histórias. Depois de assistir um pouco de TV resolvi sentar na frente da estante de livros e buscar nas minhas anotações e inúmeras páginas dobradas algo que já tivesse lido, gostado e que voltasse a conversar comigo. Entre os livros achei Teresa, de Manuel Bandeira.

Ahhh, Teresa, por muito tempo achei que não existiam pessoas como tu, ou que eu, infelizmente, nunca conseguiria me apaixonar por alguém assim. Para quem não conhece os versos de Teresa, aqui estão:

“A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna
Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)
Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.”

Para mim o difícil de ter uma Teresa sempre foi resistir os primeiros olhares. Perceber seus olhos velhos, suas pernas estúpidas e mesmo assim lhe dar tempo. Tempo para que pudesse misturar meu céu e minha terra, mexer nos meus sentidos, trazer-me a paz e, junto, uma história sobre águas claras e tranquilas.

Sempre achei que para ser amor tinha que ser forte, avassalador, quente demais, dolorido demais, apaixonante demais. Mas só quando se dá espaço a uma verdadeira Teresa é que se descobre que a tranqüilidade e amor, na maioria das vezes, caminham juntos.

E se descobre que o amor nem sempre acontece quando pousamos nossos olhos sob a pessoa mais bela, a mais emocionante, a mais cheia de mistérios, a que nos tira mais do sério logo que a conhecemos. Pessoas assim, nas experiências que tive, mostraram-se Teresas ao contrário. Num primeiro momento, diante dos meus olhos pareciam anjos, seres de outro esfera, capaz de mexer com a terra, o céu, o ar, tudo. Num segundo momento, cometem um deslize que ainda não estamos aptos a perceber, pois ainda estamos sob o efeito do primeiro contato. Da terceira vez que estamos diante dessas falsas Teresas, seus olhos penetrantes e pernas celestiais dão espaço a atitudes estúpidas.

Não sei se todos concordam comigo, mas a vida me ensinou que mais vale darmos tempo a Teresas de olhos velhos e pernas estúpidas para que atinjam e deixem nosso coração em paz, do que apostar em falsas Teresas que nos cativam com a beleza porque por dentro não têm mais o que nos oferecer.

Saudações a todas as Teresas que existem no mundo. E aqueles que sabem apreciá-las..